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terça-feira, 5 de junho de 2012

"O ímpio toma emprestado, e não paga; mas o justo se compadece e dá." Sl 37:21

ResearchBlogging.org
As motivações de indivíduos religiosos na ajuda aos outros é relativamente bem estabelecida: sentido de identidade compartilhada, preocupação com a reputação aos olhos de deus e diante de sua comunidade religiosa, e estabelecidos valores prossociais baseados em regras.

Mas menos conhecidas são as motivações de indivíduos não religiosos: importante grupo populacional em vários países desenvolvidos - chegam a quase metade dos japoneses, suecos, dinamarqueses e alemães.

Embora a religiosidade esteja associada à maior prossocialidade, indivíduos não religiosos também têm alta prossocialidade e endosso a atitudes ética.

Laura R. Saslow, psicóloga e pós-doutoranda da University of California, San Francisco; Robb Willer, sociólogo; Matthew Feinberg, psicólogo, doutorando; Paul K. Piff, psicólogo, pós-doutorando; Dacher Keltner, psicólogo da University of California, Berlekey; Katharine Clark, psicóloga, pós-graduanda, University of Colorado, Boulder; & Sarina R. Saturn, psicóloga, Oregon State University, Corvallis, pesquisaram a influência do fator compaixão (sentimento que emerge à visão do sofrimento de alguém que leva ao desejo de ajudá-lo) no comportamento prossocial de pessoas religiosas e não religiosas.

Para testar a hipótese de que a compaixão tem um efeito maior nas pessoas não religiosas do que nas religiosas, os autores realizaram três estudos. No primeiro estudo, por meio de um questionário, correlacionaram características de compaixão e empatia, comportamento prossocial e religiosidade: o comportamento prossocial esteve mais fortemente ligado à compaixão entre os não religiosos do que entre os religiosos. No segundo estudo, exibiram vídeos, para um grupo, sobre pobreza infantil com imagens de crianças em situação de vulnerabilidade e trilha sonora triste; para outro grupo, no vídeo, dois homens conversavam. O grupo que assistiu ao primeiro vídeo teve maior tendência a doar, em situação hipotética, um valor maior para desconhecidos e o efeito foi maior entre os não religiosos. No terceiro estudo, as pessoas respondiam sobre o grau de compaixão que sentiam no momento do experimento, depois, realizavam uma série de jogos econômicos que mediam o grau de comportamento prossocial em situação real, o grau de compaixão correlacionou-se positivamente com as atitudes prossociais entre os não religiosos e negativamente entre os religiosos.

Este estudo chamou bastante a atenção da mídia. Mas foi bastante mal interpretado como se a conclusão fosse que as pessoas religiosas fossem menos generosas.

Estudo 1
624 homens, 713 mulheres, acima de 18 anos, entrevistados para General Society Survey 2004. Idade média: 45,96±17,08 anos; 1.076 brancos, 158 negros, 103 outros; 712 protestantes, 320 católicos, 17 judeus, 7 budistas, 4 hindus, 8 muçulmanos, 199 não religiosos, 4 não responderam e o restante, outras religiões.

A compaixão foi avaliada com formulário de 7 itens do Índice de Reatividade Interpessoal pontuados de 1 "não descreve muito bem" ["does not describe very well"] a 5 "descreve muito bem" ["describes very well"] com questões como: "Com frequência, tenho sentimentos afetuosos e preocupados com pessoas menos afortunadas do que eu" ["I often have tender, concerned feelings for people less fortunate than me"], "Quando vejo alguém sendo passado para trás, eu me sinto um pouco protetor em relação a essa pessoa" ["When I see someone being taken advantage of, I feel kind of protective towards them"] e "A desgraça alheia normalmente não me perturba muito" (pontuação reversa) ["Other people’s misfortunes do not usually disturb me a great deal"].

O comportamento prossocial foi avaliado com questionário de 10 itens pontuados de 1 a 6: 1 "nenhuma vez no ano passado" ["not at all in the past year"], 2 "uma vez no ano passado" ["once in the past year"], 3 "pelo menos 2 a 3 vezes no ano passado" ["at least 2 or 3 times in the past year"], 4 "uma vez por mês" ["once a month"], 5 "uma vez por semana" ["once a week"] e 6 "mais de uma vez por semana" ["more than once a week"], sobre se o indivíduo havia doado comida ou dinheiro para um morador de rua ["giving food or money to a homeless person"], devolvido dinheiro após receber troco a mais ["returning money after getting too much change"], permitido a um estranho passa à frente na fila ["allowing a stranger to go ahead in line"], ter realizado trabalho voluntário para a caridade ["volunteering time for a charity"], doado dinheiro à caridade ["giving money to a charity"], oferecido lugar para um estranho se sentar ["offering a seat to a stranger"], cuidado de planta ou animal na ausência de alguém ["looking after a plant or pet of others while they were away"], carregado os pertences de um estranho ["carrying a stranger’s belongings"], dado indicação de rua ou local para um estranho ["giving directions to a stranger"] e emprestado a alguém algo de valor ["letting someone borrow a item of some value"].

A religiosidade foi medida com uma questão a respeito de sua identidade religiosa: 1 "sem religião" ["no religion"], 2 "identidade religiosa não muito forte" ["not very strong religious identity"], 3 "identidade religiosa mais ou menos forte" ["somewhat strong religious identity"] e 4 "identidade religiosa forte" ["strong religious identity"].

Outras covariáveis foram analisadas: gênero, orientação política (1 "extremamente liberal" ["extremely liberal"], 4 "moderado" ["moderate"] a 7 "extremamente conservador" ["extremely conservative"]), grau de instrução (anos de estudos completos).

Relato de compaixão se correlacionou com relato de identidade religiosa (r =0,12; p < 0,001) e relato de comportamento prossocial (r = 0,20; p < 0,001); o relato de religiosidade correlacionou-se marginalmente com o comportamento prossocial (r = 0,05; p < 0,077). Na análise de covariância (sem o controle das covariáveis), maior compaixão relatada relacionou-se com maior comportamento prossocial relatado (β = 0,19; p < 0,001), não houve relação da religiosidade relatada sobre o comportamento prossocial relatado (β = 0,03; p < 0,353). Houve interação entre compaixão relatada e religiosidade relatada (β = -0,07; p < 0,014); entre os menos religiosos, maior compaixão relatada relacionou-se com maior comportamento prossocial relatado (β = 0,25; p < 0,001); entre os mais religiosos, maior compaixão relatada também relacionou-se com maior comportamento prossocial relatado (β = 0,12; p < 0,003) (Tabela 1; Figura 1).

Tabela 1. Predição de comportamento prossocial pela compaixão entre grupos menos e mais religosos.
Interação β Menos religiosos (abaixo de 1 DP da média; β para inclinação simples) Mais religiosos (acima de 1 DP da média; β para inclinação simples)
Compaixão vs. comportamento prossocial autoreportado -0,07* (-0,07)* 0,25*** (0,26)*** 0,12** (0,12)**
*p ≤ 0,05; ** p ≤ 0,01; *** p ≤ 0,001;entre parênteses com controle das covariáveis.


Estudo 2
101 participantes recrutados através do Amazon's Mechanical Turk de todo os EUA (41 homens; 60 mulheres; idade de 18 a 68 anos, média de 32,54±12,01; 78 euroamericanos, 8 asioamericanos, 6 afroamericanos, os demais de outras etnias ou de etnia mista; 39 cristãos, 7 judeus, 2 muçulmanos, 36 ateus, 12 agnósticos, 8 espirituais mas não religiosos, o restante não informou ou declarou outras religiões, os participantes podiam escolher mais de uma opção religiosa) em troca de pequeno pagamento pelas respostas. Os participantes foram selecionados de acordo com o nível de religiosidade: 1 "nem um pouco" ["not at all"] a 7 "profundamente" ["deeply"] a fim de haver aproximadamente metade de participantes bastante religiosos e metade pouco religiosos.

Um anúncio no Amazon Mechanical Turk incluía endereço de outro site direcionando os participantes para uma pesquisa online. Os participantes foram designados de modo aleatório para assistir a um vídeo de 46 s de duração como tarefa de memória: um indutor de compaixão (N = 49) e um neutro (N = 52). O indutor de compaixão consistia em informações sobre a pobreza infantil com fotografias de crianças em situações de vulnerabilidade e necessidade, com música triste de trilha (em estudo anterior, Piff et al. 2010, o vídeo foi demonstrado eliciar sentimentos de compaixão); o neutro consistia em dois homens conversando.

A prossocialidade foi medida em duas tarefas. Em uma, jogo do ditador ["Dictator Task"] com dinheiro hipotético, os participantes deveriam doar alguma quantia entre $0 e $10 a um estranho (7 participantes não completaram a tarefa e não foram incluídos na análise) - estudo anterior (Simpson 2003) indica que o comportamento é similar quando há dinheiro real envolvido. Em outra, os participantes indicavam quantos porcentos do salário anual deveriam ser gastos em diversos itens: a porcentagem dos gastos indicados em "doações à caridade" ["charitable donations"] foi usada como indicador de prossocialidade.

Outras covariáveis foram: gênero, orientação política e status socioeconômico subjetivo. Para o status socioeconômico subjetivo os participantes deveriam indicar seu posicionamento em relação a outras pessoas de sua comunidade: 1 degrau inferior ["bottom rung"] a 10 degrau superior ["top rung"].

N tarefa do ditador, os que assistiram ao vídeo indutor de compaixão mostram um comportamento prossocial maior: β = 0,29, p = 0,003; os mais religiosos também: β = 0,35, p < 0,009; houve ainda interação entre o vídeo e a religiosidade: β = -0,37, p = 0,006. Entre os menos religiosos, o vídeo se relacionou com maior prossocialidade: β = 0,58, p < 0,001; mas não entre os mais religiosos: β = 0,01, p = 0,941.

Na tarefa de caridade, os que assistiram ao vídeo indutor de compaixão tiveram maior pontuação de caridade: β = 0,18, p = 0,034; bem como os que apresentaram maior religiosidade: β = 0,59, p < 0,001; não houve interação entre o vídeo e a religiosidade: β = -0,10, p = 0,408, mas entre os menos religiosos, o vídeo se relacionou a maior caridade: β = 0,26, p = 0,043; entre os mais religiosos, o efeito não foi significativo, β = 0,11, p = 0, 359. (Figura 2.)



Estudo 3
Estudantes universitários (98 homens, 112 mulheres) recrutados em troca de créditos acadêmicos; idade de 18 a 46 anos, média de 20,28±3,52 anos. 64 europeus/euroamericanos, 97 asiáticos/asioamericanos, 43 outros ou etnia mista, 6 não relataram; 72 cristãos, 10 judeus, 10 budistas, 5 hindus, 36 ateus, 23 agnósticos, 26 espirituais mas não religiosos, 11 não responderam, o restante de outras religiões.

Os participantes preencheram um formulário online, incluindo orientação política, status socioeconômico subjetivo e religiosidade (como no estudo 2). As covariáveis foram: gênero, orientação política e status socioeconômico subjetivo.

Aos estudantes perguntou-se o quanto sentiam de "compaixão/simpatia" ["compassion/sympathy"] no momento: 1 "nem um pouco" ["do not feel at all"] a 7 "muito forte" ["feel very strongly"] (escala Diferencial de Emoção modificada).

Uma série de jogos econômicos foram apresentados para se medir o comportamento prossocial. A pontuação final foi revertida em dinheiro de verdade (a taxa de conversão foi revelada ao final: US$ 1 a cada 10 pontos). (Estudo anterior de Barclay & Willer 2007, indica que o comportamento é similar a quando a recompensa tem uma taxa de conversão de 1:1.)

No jogo do bem público ["Public Good Game"], os participantes investiam de 0 a 10 pontos para um fundo em comum de 4 participantes, os pontos totais eram dobrados e distribuídos igualitariamente entre os participantes. No jogo do ditador ["Dictator Game"] cada participante doava de 0 a 10 pontos para outro participante. (Nem todos participaram da tarefa do "bem público".)

No jogo da confiança ["Trust Game"], os participantes atuaram como segundos jogadores. O primeiro jogador poderia doar ao segundo jogador de 0 a 10 pontos; os pontos doados eram triplicados e o segundo jogador pode partilhar qualquer valor com o primeiro jogador. O segundo jogador sempre recebia 30 pontos e o valor retornado foi um indicador da confiabilidade ["trustworthiness"].

No jogo da reciprocidade indireta ["Indirect Reciprocity Game"], os participantes eram informados sobre a ação anterior de outro jogador no jogo do ditador em relação a um terceiro: que havia dividido os pontos meio a meio. Os participantes tinham então 10 pontos que poderiam ser divididos com o jogador.

Os indicadores dos jogos compuseram um único indicador geral de comportamento prossocial.

O sentimento relatado de compaixão não se correlacionou com o grau relatado de identidade religiosa (p = 0,926), mas se correlacionou com o comportamento prossocial nas tarefas (p < 0,005); a religiosidade não se correlacionou com o comportamento prossocial nas tarefas (p = 0,153). Na análise de covariância, os que reportaram maior sentimento de compaixão tiveram maior desempenho prossocial nas tarefas: β = 0,15, p = 0,028; houve interação entre grau relatado de compaixão e religiosidade: β = -0,20, p = 0,004; entre os menos religiosos, o grau relatado de compaixão se relacionou com o comportamento prossocial: β = 0,36, p < 0,001; mas não entre os mais religiosos: β = -0,07, p = 0,522.




Limitações
Os tamanhos amostrais são grandes; mas há limitação quanto à representatividade da amostra, sobretudo no estudo 3: composto somente por estudantes universitários. Seria interessante saber qual o efeito entre as diferentes religiões: o grupo de maior religiosidade parece ter sido dominado por cristãos e o grupo de menor religiosidade por ateus e agnósticos - o efeito pode se dever não exatamente à religiosidade em si, mas a alguns pressupostos de visão de mundo (mesmo metafísicos).

Referências
Saslow, L., Willer, R., Feinberg, M., Piff, P., Clark, K., Keltner, D., & Saturn, S. (2012). My Brother's Keeper? Compassion Predicts Generosity More Among Less Religious Individuals. Social Psychological and Personality Science DOI: 10.1177/1948550612444137

terça-feira, 29 de maio de 2012

"Com alegria e regozijo as trarão; elas entrarão no palácio do rei." Sl 45:15

ResearchBlogging.orgO despertar ou reforço do sentimento religioso e da espiritualidade tem sido ligado a eventos e sentimentos negativos como medo da morte, perdas econômicas, doenças, etc

Vassilis SaroglouCoralie Buxant, ambos psicólogos da Université catholique de Louvain (UCL), e Jonathan Tilquin, gerente de relações com o cliente da Accenture, mas na época  também ligado à UCL, investigaram se sentimentos positivos igualmente eliciariam uma maior resposta espiritúo-religiosa.

A indivíduos do grupo-teste exibiram-se vídeos com conteúdos emocionalmente positivos: humor, apreciação da natureza ou encantamento com o nascimento. A indivíduos do grupo-controle, o vídeo exibido foi neutro (sobre produção de cerveja). Após assistirem aos vídeos, responderam a um questionário que avaliou o grau de religiosidade. Os fatores emocionalmente positivos relacionaram-se com maior grau de religiosidade.

Em um segundo estudo, com os mesmos vídeos, avaliou-se o grau de espiritualidade, que era maior entre os que assistiram aos vídeos sobre a natureza e o nascimento, mas não entre os que viram o vídeo de humor.

Vídeos
O vídeo do nascimento mostra um jovem casal heterossexual filmados em vários momentos da gravidez. O vídeo mostra imagens do sonograma do feto e do nascimento em uma maternidade, com a mãe segurando o bebê em seus primeiros minutos após o parto.

O vídeo da natureza mostra vistas panorâmicas de paisagens naturais como quedas d'água, desertos, oceanos, grandes rios e altas montanhas.

O vídeo de humor inclui esquetes com um humorista francês imitando um velho tentando entender o cardápio em um fast food.

O vídeo neutro um homem com conhecimento da técnica descreve, de modo neutro, mas levemente interessante, os vários estágios da produção de cerveja.

Cada vídeo tem 3 minutos de duração.

Em um pré-teste, cada vídeo foi exibido para 10 estudantes de psicologia que preencheram posteriormente um questionário de avaliação com itens de 7 pontos na escala Likert.

A primeira questão foi sobre a intensidade emocional geral que sentiram ao verem o filme: 1 "Não senti nenhuma emoção" ("I felt no emotions at all"); 7 "Senti uma emoção muito intensa" ("I felt very intense
emotions"). A segunda parte do questionário envolveu perguntas para 8 emoções específicas: (1 "Não senti essa emoção nem um pouco" ("I was feeling not at all this emotion"); 7 "Senti essa emoção totalmente" ("I was feeling completely this emotion"). Os que assistiram aos vídeos do nascimento ou da natureza, responderam a mais 5 itens. A Tabela 1 resume os resultados de avaliação dos vídeos.

Tabela 1. Emoções eliciadas pelos vídeos. Pontuações médias (entre 1 a 7) e desvios padrões (entre parênteses).
Emoções eliciadas Vídeos eliciadores de emoções positivas

Vídeo neutro* 
Admiração (Awe)

Humor
Nascimento Natureza
Intensidade emocional (Emotional intensity) 5,4 (1,4)a 5,1 (1,4)a 3.4 (1,0)b 1,7 (0,5)c
Prazer (Pleasure) 4,9 (0,7)a 5,3 (1,0)a 4,1 (1,2)a 2,8 (1,6)b
Divertimento (Enjoyment) 3,5 (1,4)a 3,5 (0,9)a 4,7 (1,3)a 1,9 (1,3)b
Tédio (Boredom) 1,3 (0,7)a 1,8 (1,5)a 1,8 (1,2)a 4,1 (1,8)b
Êxtase (Ecstasy) 3,3 (1,7)a 4,1 (1,0)a 1,6 (0,8)b 1,2 (0,4)b
Respeito (Respect) 4,8 (1,6)a 5,8 (1,7)a 2,4 (1,8)b 2,8 (1,5)b
Maravilhamento (Wonder) 5,8 (1,3)a 5,9 (1,0)a 2,3 (1,1)b 1,9 (1,2)b
Tristeza (Sadness) 2,1 (1,9)a 3,2 (1,9)a 1,4 (0,9)b 1,0 (0,1)b
Humildade (Humility) 4,5 (1,8)a 3,7 (2,2)b 2,7 (1,4)b 2,7 (1,6)b
Afeição (Affection) 6,1 (0,9)a 4,2 (1,6)b - -
Ternura (Tender feelings) 6,4 (0,9)a 4,2 (1,8)b - -
Admiração (Admiration) 4,8 (1,9)a 6,0 (0,6)a - -
Fascinação (Fascination) 5,3 (1,2)a 6,1 (0,7)a - -
Completude (Fullness) 4,9 (1,1)a 5,3 (1,2)a - -
* - 2 (dois) questionários foram removidos por divergirem excessivamente dos demais.
Letras diferentes para uma mesma linha: médias estatisticamente diferentes (p < 0,05).


Estudo 1
91 alunos (72 mulheres, 19 homens) do 1o e 2o anos de psicologia de uma universidade belga foram recrutados em troca de créditos acadêmicos. 69% se declararam católicos, 1 indivíduo como budista e o restante como não religioso ou agnóstico. Foram designados aleatoriamente para assistirem sozinhos a um de quatro vídeos: nascimento (n = 21), natureza (n = 22), humor (n = 26) e neutro (n = 22).

Após assistirem aos vídeos, preencheram um questionário com itens de 7 pontos na escala Likert de grau de concordância com as frases: "A religião é importante em minha vida" ("Religion is important in my life"), "Sem Deus o mundo não teria nenhum sentido" ("Without God the world would not have a meaning"), "As grandes religiões do mundo passam mensagens que são úteis na vida cotidiana" ("The great religions of the world give a message that isuseful for the everyday life"), "Deus é importante na minha vida" ("God is important in my life"), "Deus não existe" ("God does not exist") - em escala inversa, "Deus (ou uma força divina) está na origem do mundo" ("God (or a divine force) is at the origin of the world").

Os vídeos de nascimento (2,52±0,94), natureza (2,54±1,03) correlacionaram-se com um índice de religiosidade maior do que o vídeo neutro: vídeo neutro (2,26±1,04) (p < 0,05).O vídeo de humor (2,41±0,72) também correlacionou-se com índice maior do que o vídeo neutro (p < 0,05) e não foi estatisticamente diferente nos índices dos vídeos de admiração.

Estudo 2
87 alunos (72 mulheres, 15 homens) do 1o e 2o anos de psicologia em uma universidade belga foram recrutados em troca de créditos acadêmicos. 60% declararam-se católicos; 2%, protestante e o restante como sem religião ou agnóstico. Os participantes foram designados aleatoriamente para assistirem sozinhos a um dos quadro vídeos: nascimento (n = 22), natureza (n = 20), humor (n = 23) e neutro (n = 22).

Após assistirem aos vídeos, preencheram um questionário modificado da Escala de Transcendência Espiritual (STS) de Piedmont 1999: com itens referentes a Universalidade (crença na unidade e propósito da vida - 9 itens) e Conexidade ("Connectedness" - senso de conexão e comprometimento com os outros e a humanidade - 6 itens); a parte Realização Oracional ("Prayer Fulfilment" - experiência de alegria e realização após oração ou meditação - 9 itens) não foi incluída por ser uma subescala referente à religiosidade e os pesquisadores estavam interessados apenas na questão da espiritualidade no teste.

A crença na existência de um deus criador foi medida com a avaliação pelos participantes do texto: "Há uma concepção de mundo e da vida que diz que tudo o que surgiu na Terra não seria fruto do mero acaso, mas o resultado de um ato divino. Os seres humanos e tudo a sua volta seria o resultado da Criação e não de uma coincidência." ("There exists a conception of world and life stating that everything that appeared in the Earth would not be a fruit of chance but the result of a divine act. Human beings and all things around them would be an outcome of Creation and not of coincidence."). Os participantes responderam em uma escala Likert de 5 pontos (1 - "Concordo totalmente" ["I totally agree"]; 5 - "Discordo totalmente" ["I totally disagree"]) às questões: "Você acredita nessa concepção de mundo?" ("Do you believe in this conception of the world?"); "Você gostaria de receber textos ou aprender mais sobre essa concepção de mundo?" ("Would you be willing to receive documentation or to learn more about this conception of the world?"); "Você gostaria de se encontrar com pessoas que compartilham essa concepção?" ("Would you like to meet with people who share this conception?") e "Você defenderia essa concepção se alguém lançasse dúvidas sobre ela?" ("Would you stand up for this conception if one casts doubt on it?").

O índice de espiritualidade foi maior entre os que assistiram aos vídeos de nascimento (3,70±0,44, p < 0,001) e natureza (3,77±0,46; p < 0,01) do que os assistiram ao vídeo neutro (3,29±0,38). Também foi maior do que os que assistiram ao vídeo de humor (3,29±0,43), respectivamente: p < 0,001 e p < 0,01. O mesmo resultado foi obtido para a análise em separado das componentes da escala de espiritualidade.

As diferenças no índice de crença no criador não foram significativas: nascimento (2,94±0,95), natureza (2,76±0,92), humor (2,55±0,80) e neutro (2,51±0,85).

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Limitações
Mais uma vez, há o problema da natureza restrita da amostra: estudantes universitários (de psicologia). O tamanho amostral para cada grupo, cerca de 20 indivíduos, também não é particularmente grande. Houve também um desbalanço da razão sexual. Os autores notam que a maior religiosidade observada também entre os que assistiram ao vídeo de humor não era esperada e sugerem que um efeito de piso (floor effect) poderia explicar isso, já que os índices de religiosidade eram baixos. Isso poderia explicar os resultados para os demais casos também, já que as diferenças, mesmo que estatisticamente significativas, não são particularmente grandes - há uma sobreposição dentro de um desvio padrão.


Referência 
Saroglou, V., Buxant, C., & Tilquin, J. (2008). Positive emotions as leading to religion and spirituality The Journal of Positive Psychology, 3 (3), 165-173 DOI: 10.1080/17439760801998737

terça-feira, 22 de maio de 2012

"O SENHOR é homem de guerra; o SENHOR é o seu nome." Ex 15:3

ResearchBlogging.org A violência associada a motivações religiosas como ataque a clínicas de aborto, ações de homens-bomba, agressões a minorias religiosas, imprecações contra homossexuais, etc. chama bastante a atenção, mas suscita a dúvida de se a religião tem alguma participação efetiva ou se é apenas uma desculpa.

Brad J. Bushman, psicólogo, então na University of Michigan, e colaboradores testaram a hipótese de que elementos religiosos poderiam aumentar a violência ao promover a identificação e a justificação. Para tanto compararam um grupo (teste) exposto a uma descrição bíblica de violência com outro (controle) exposto a uma descrição secular de violência. A passagem bíblica aumentou o comportamento agressivo (medido a partir de disparos sonoros aplicados em outras pessoas pelos sujeitos experimentais) em relação ao texto secular - tanto em pessoas religiosas (cristãs ou não) quanto em não-religiosos, embora mais intensamente nos primeiros.

Estudo 1
248 estudantes (95 homens, 153 mulheres) da Brigham Young University (BYU) receberam créditos de curso em troca da participação voluntária no experimento. 97% declararam pertencer à Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias; 99% disseram crer em deus e na Bíblia.

Aos participantes foi informado que tomariam parte de dois testes independentes: um sobre literatura do Oriente Médio e outro sobre o efeito de estímulos negativos no tempo de reação. Responderam sim/não se: a) acreditavam em deus; b) acreditavam na Bíblia e leram uma passagem.

Para metade foi dito que a passagem eram os capítulos de 19 a 21 do Livro dos Juízes da Bíblia do Rei Jaime (a origem verdadeira do trecho relativamente obscuro e desconhecido por muitos), para a outra metade que era de um antigo pergaminho descoberto em 1984 nas ruínas de Wadi Al-Murabba ‘ah durante expedição do ProfessorWilliam Deyer.

Para os dois grupos, a história descreve a viagem de um homem e sua concubina (ambos da tribo israelita de Efraim) pelas terras da tribo israelita de Benjamin. Na cidade de Gibeá, o casal abriga-se na casa de um homem. Uma multidão chega à casa, toma a mulher e a violenta até matá-la, abandonando seu corpo frente à porta. O homem pega o corpo e leva-o até sua terra natal e convoca o povo de Israel para decidir que ação tomar contra o povo de Gibeá.

Para metade dos participantes havia um trecho adicional: "The assembly fasted and prayed before the LORD and asked 'What shall be done about the sins of our brothers in Benjamin?'; and the LORD answered them, saying that no such abomination could stand among his people. The LORD commanded Israel to take arms against their brothers and chasten them before the LORD" ["A assembléia jejuou e orou para o SENHOR e perguntou 'O que deve ser feito sobre os pecados de nossos irmãos de Benjamin?'; e o SENHOR respondeu-lhes dizendo que essa abominação não poderia permanecer entre seu povo. O SENHOR ordenou à Israel tomar as armas contra seus irmãos e castigá-los perante o SENHOR."], com sanção divina de agressão em vingança à morte da concubina. Para a outra metade, não havia nenhuma menção à deus na passagem.

A história terminava com a narração da luta dos demais israelitas contra os israelitas benjamitas. As baixas foram pesadas para os dois lados, com dezenas de milhares mortos. Finalmente Gibeá e outras cidades de Benjamin foram destruídas, com os israelitas matando homens, mulheres, crianças e animais.

Após a leitura da passagem, os participantes de ambos os grupos participaram de uma tarefa competitiva de tempo de reação de Taylor 1967. Os participantes eram pareados: cada um deveria apertar um botão o mais rápido possível em 25 rodadas. O mais rápido em cada rodada deveria liberar um pulso sonoro através do fone de ouvido do mais lento. O vencedor poderia escolher o nível do ruído: 0 - sem nenhum som; 1 - 60 dB até o nível 10 - 105 db. Pontuação de agressão foi dada a cada vez que o nível 9 ou 10 foi escolhido.

Os participantes a quem foi dito que a passagem era tirada da Bíblia tiveram uma média de 3,44±0,53 pontos de agressão maior do que os a quem foi dito tratar-se de um pergaminho antigo:  2,48±0,26 (p < 0,04). Os que leram a passagem de deus sancionando a violência também tiveram uma média maior (p < 0,09) do que os que leram a passagem que não mencionava deus: 3,40±0,43 contra 2,47±0,31. Homens foram mais agressivos (p < 0,0001) do que as mulheres: 4,12±0,53 contra 2,16±0,26.

Estudo 2
242 estudantes (110 homens, 132 mulheres) da Vrije Universiteit (Amsterdan) (VU) receberam € 3 para participarem dos testes. 40% não tinham nenhuma religião; 18% eram católicos; 11%, protestantes; 12%, muçulmanos; 8%, cristãos; 2%, hindus; 1%, judeus e 8%, outros. 50% acreditavam em deus e 27%, na Bíblia.

Foi adotado protocolo similar ao estudo 1.

Tiveram média maior de pontuação os que leram a passagem de deus sancionando a violência (p < 0,001):  8,70±0,69 contra 4,92±0,61 e os participantes que acreditavam em deus e na Bíblia (p < 0,08): 7,65±0,80 contra 5,97±0,46. A leitura do trecho com a sanção divina está associada à maior pontuação de agressão tanto entre os crentes (p < 0,001) quanto entre os não crentes (p <0,04), mas o efeito foi maior entre os crentes (Figura 1).


Foram mais agressivos homens (p <0,003): 8,23±0,70 contra 5,40±0,49  das mulheres e homens que leram a passagem com a sanção divina (p < 0,001): 11,19±1,08 contra 5,27±0,91 dos que não leram. Não houve diferenças significativas entre mulheres que leram a passagem da sanção divina (p < 0,18): 6,21±0,85 contra 4,59±0,83 das que não leram.

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Limitações
O tamanho amostral é relativamente grande, especialmente para a área de psicologia. A limitação maior é quanto à restrição das populações amostradas: estudantes universitários. Em parte isso é amenizado pelo fato de se testarem duas populações distintas: uma nos EUA e outra nos Países Baixos. Mas podemos notar diferenças nos valores entre os grupos dos dois estudos: p.e. homens do estudo 1 tiveram uma média correspondente a cerca de metade da dos homens do estudo 2.

Referência
Bushman BJ, Ridge RD, Das E, Key CW, & Busath GL 2007. When god sanctions killing: effect of scriptural violence on aggression. Psychological science, 18 (3), 204-7 PMID: 17444911

terça-feira, 15 de maio de 2012

"Nem aprendi a sabedoria, nem tenho o conhecimento do santo." Pv 30:3

O Pew Research Center é um think tank (usina de ideias) americano que procura levantar informações sobre atitudes e tendências nos EUA e no mundo sobre temas sensíveis. Um de seus projetos é o Pew Forum on Religion and Public Life, responsável por pesquisas na área de opinião pública e atitudes religiosas.

Entre 19 de maio e 4 de junho de 2010, o Pew Forum fez um levantamento telefônico com 3.412 americanos adultos sobre 32 questões a respeito dos fundamentos e história das principais religiões do mundo; das quais 12 sobre a Bíblia e o Cristianismo, 11 sobre religiões mundiais e 4 sobre a religião na vida pública (como decisões judiciais sobre temas religiosos na vida pública). Mórmons, judeus, ateus e agnósticos acertaram, em média, mais de 2/3 das questões, superando os demais grupos étnicos/religiosos em conhecimento geral sobre religiões (Tabela 1).

Tabela 1. Respostas corretas por grupo étnico e religião.
Grupo Questões corretas
(média)
Porcentual de
acerto (média)
Ateus/agnósticos 20,9 65,31%
Judeus 20,5 64,06%
Mórmons 20,3 63,44%
Protestantes evangélicos (brancos) 17,6 55,0%
Católicos (brancos) 16,0 50,0%
Protestantes históricos (brancos) 15,8 49,38%
Sem religião 15,2 47,5%
Protestantes (negros) 13,4 41,88%
Católicos (hispânicos) 11,6 36,25%
Total 16,0 50,0%

Na Tabela 2 é apresentado resultado para os grupos étnicos/religiosos por grupos de questões.

Tabela 2. Respostas corretas por grupos étnicos/religiosos e grupos de questões.
Grupo Bíblia e
cristianismo (12)
Religiões
mundiais (11)
Religião na
vida pública (4)
Cristãos 6,2 (51,67%) 4,7 (42,73%) 2,1 (52,5%)
 Protestantes 6,5 (54,17%) 4,6 (41,82%) 2,1 (52,5%)
  evangélicos (brancos) 7,3 (60,83%) 4,8 (43,64%) 2,3 (57,5%)
  históricos (brancos) 5,8 (48,33%) 4,9 (44,54%) 2,2 (55,0%)
  (negros) 5,9 (49,17%) 3,9 (35,45%) 1,7 (42,5%)
 Católicos 5,4 (45,0%) 4,7 (42,73%) 2,1 (52,5%)
  (brancos) 5,9 (49,17%) 5,1 (46,36%) 2,2 (55,0%)
  (hispânicos) 4,2 (35,0%) 3,6 (32,73%) 1,7 (42,5%)
 Mórmons 7,9 (65,83%) 5,6 (50,91%) 2,3 (57,5%)
Judeus 6,3 (52,5%) 7,9 (71,82%) 2,7 (67,5%)
Não afiliado 5,3 (44,17%) 6,0 (54,55%) 2,3 (57,5%)
 Ateus/agnósticos 6,7 (55,83%) 7,5 (68,18%) 2,8 (70,0%)
 Sem religião 4,9 (40,83%) 5,4 (40,09%) 2,1 (52,5%)
Total 6,0 (50,0%) 5,0 (45,45%) 2,2 (55,0%)

Parte dessa diferença parece poder ser explicada pela escolaridade (Tabela 3).

Tabela 3. Respostas corretas por escolaridade.
Escolaridade Pontos
Superior completo 20,6 (64,38%)
 pós-graduação 22,2 (69,37%)
 graduação 19,8 (61,87%)
Superior incompleto 17,5 (54,69%) 
Até ensino secundário 12,8 (40,0%)
 secundário completo 13,7 (41,82%)
 até secundário incompleto 10,7 (33,44%)

O impacto (Tabela 4) indica o quanto o fator (isolados outros componentes demográficos) aumenta a pontuação em relação à média.


Tabela 4. Impactos dos fatores religiosos e demográficos no desempenho dos entrevistados em relação à média.
Fator Impacto
Escolaridade
Superior completo 4,3
Superior incompleto 1,3
Até secundário -2,9
Religião
Ateus/agnósticos 2,9
Judeus 2,3
Mórmons 1,9
Protestantes evangélicos 0,9
Sem religião -0,6
Protestantes históricos -0,9
Católicos -1,1
Comprometimento
Alto 1,0
Médio -0,5
Baixo -0,5
Aulas de religião no ensino superior
Sim 2,7
Não -0,5
Aulas de educação religiosa
para crianças/grupos de jovens
Pelo menos uma vez por semana 0,4
Mensal/anual 0,1
Ramente/nunca -1,4
Tipo de escola na infância
Particular confessional 1,4
Particular não-confessional 1,0
Somente pública -0,3
Leitura das escrituras
Pelo menos uma vez por semana 1,0
Mensal/anual 0,2
Raramente/nunca -1,1
Lê outros livros/visita websites
sobre a própria religião
Pelo menos uma vez por semana 1,3
Mensal/anual 0,8
Raramente/nunca -1,0
Lê outros livros/visita websites
sobre outras religiões
Pelo menos uma vez por semana 1,6
Mensal/anual 2,0
Raramente/nunca -0,8
Conversa sobre religião
com parentes/amigos
Frequentemente 0,8
Ocasionalmente 0,1
Raramente/nunca -1,4
As Escrituras...
Não são a palavra de deus 1,6
São a palavra de deus, mas não literal 0,2
São a palavra de deus, literalmente -1,3
Acredita em deus?
Não 0,3
Sim, com certeza 0,1
Sim, mas não tem certeza -0,4
Mesma religião da infância?
Não 0,7
Sim -0,3
Cônjuge da mesma religião?
Não 0,7
Sim -0,2
Raça/etnia
Brancos 0,7
Hispânicos -1,4
Negros -1,8
Nascido nos EUA?
Sim 0,1
Não -1,2
Idade
18-29 0,2
30-49 0
50-64 0,2
65 ou + -0,8
Sexo
Homem 0,7
Mulher -0,7
Região
Oeste 0,5
Meio Oeste 0,2
Leste 0,4
Sul -0,6
Tem filhos?
Não 0,9
Sim -0,4
Partido político
Democratas 0,6
Republicanos 0,1
Independentes -0,3
Ideologia política
Liberais 0,8
Moderados 0,2
Conservadores 0


Quem estiver interessado pode fazer um teste online com 15 questões similares às do levantamento e comparar seu desempenho com outros grupos.


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Limitações
A entrevista telefônica nos EUA pode ser suficientemente representativa da população uma vez que 95,7% das residências têm telefone. A metodologia, no entanto, introduz um viés na medida em que solicita falar com o adulto *mais jovem* presente na casa no momento. Além disso, como em qualquer entrevista, a participação é voluntária, e a maioria dos contatos terminam em recusa (67,3% dos contatados não quiseram conceder a entrevista - ou a ligação não foi completada). A proporção étnico-racial, no entanto, foi aproximadamente similar ao do Censo 2010: 67% brancos não-hispânicos (63,7% no censo); 12% negros não-hispânicos (12,6%); 14% hispânicos/latinos (16,3%)..

terça-feira, 8 de maio de 2012

"Disseram-lhe, pois: Que sinal, pois, fazes tu, para que o vejamos, e creiamos em ti? Que operas tu?" Jo 6:30

ResearchBlogging.orgUm caráter distintivo de muitos grupos religiosos (embora não apenas religiosos) são seus símbolos. Michael J. Dotson e Eva M. Hyatt, mercadólogos da Appalachian State University, testaram a influência do uso de símbolos religiosos como pistas periféricas em peças publicitárias.

O modelo de probabilidade de elaboração de Petty e Cacioppo prevê duas rotas de análise de informações persuasivas: a rota central, na qual as informações são processadas de modo lógico e direto, e a rota periférica, na qual informações superficiais como cores, presença de personalidades, fundos musicais acionam ideias preexistentes e emoções. A primeira rota é mais provavelmente acionada em situação na qual o receptor está altamente motivado para considerar informações relevantes ao tema e as circunstâncias são de alto envolvimento; se a situação é de um receptor pouco motivado e em circunstâncias de baixo envolvimento, espera-se a atuação da segunda rota. (No entanto, não são duas rotas mutuamente excludentes e espera-se uma variação contínua entre os dois extremos.)

Dotson e Hyatt apresentaram quatro situações distintas, uma para cada um dos quatro grupos de indivíduos estudados (todos cristãos): peças publicitárias com argumentos fortes com e sem símbolo (cruz cristã) e peças com argumentos fracos com e sem símbolo. Indivíduos que não tinham muito envolvimento com o tipo de produto anunciado (seguro para animais de estimação) e apresentavam alto dogmatismo religioso apresentaram uma visão mais negativa e menor interesse na aquisição do produto quando a peça exibia a cruz; indivíduos com alto dogmatismo religioso com interesse no produto, no entanto, tiveram seu interesse ligeiramente aumentado com peças publicitárias que exibiam a cruz.

Estudo
Pré-teste: Usando o protocolo de Zaichkowsky (20 itens de escala de 7 pontos para adjetivos bipolares pra medição de envolvimento), chegou-se ao tema das peças publicitárias - seguro para animais de estimação: que exibia um forte padrão bimodal de envolvimento dos sujeitos analisados nesta fase (hipotetiza-se que o padrão se refira a guarda ou não de animais de estimação). Analisaram-se também a força/fraqueza de 12 argumentos para a aquisição do produto - 6 criados para serem considerados fortes e 6 para serem considerados fracos - por meio de escala de 7 pontos de fraco a forte: os três argumentos mais fortes e os três mais fracos foram usados para confeccionar as peças publicitárias.

As peças apresentavam um cão em frente a uma lareira. Em algumas, foi colocada uma cruz sobre o lintel. Elas foram testadas junto a um conjunto de peças publicitárias reais para se verificar se eram tomadas como peças genuínas.

Teste: 368 alunos de graduação (47% mulheres; 53% homens) em classes de 25 a 60 pessoas viram um de quatro tipos de peças - argumentos fracos sem cruz (I), argumentos fracos com cruz (II), argumentos fortes sem cruz (III) e argumentos fortes com cruz (IV). Cada peça foi exibida em meio a diapositivos de um total de 10 peças publicitárias. Cada slide foi exibido durante 15 segundos em um total de dois ciclos de exibição.

Após verem as peças, responderam a um questionário com 21 itens de escala Likert de 5 pontos para avaliar o dogmatismo religioso segundo protocolo Fagan & Breed 1970; e a escala de Zaichkowsky para o envolvimento com três tipos de produtos (um dos quais o de teste). Foram medidas a capacidades dos sujeitos de se lembrarem e de reconhecerem as categorias e marcas dos produtos, bem como o grau de lembrança de características dos produtos das três peças selecionadas. Para essas peças mediram-se a atitude (4 itens em escala Likert de 5 pontos) e atenção em relação às peças, atitude em relação à marca (3 itens em escala Likert de 5 pontos, 4 itens em escala de diferenciação semântica e medida de razão) e a intenção de compra (2 itens em escala Likert de 5 pontos).

Descartaram-se da análise os dados de 27 indivíduos que se declararam não-cristãos. Todos os indivíduos expostos às peças com as cruzes notaram sua presença conforme medição de lembrança em pergunta aberta e sem auxílio. Os resultados em relação às hipóteses da ELM testadas foram:

H1 "Sujeitos altamente dogmáticos prestam mais atenção às peças com cruz" rejeitado.
H2 "Sujeitos altamente dogmáticos têm atitude mais favorável às peças com cruz" rejeitado.
H3 "Sujeitos altamente envolvidos têm atitude mais favorável às peças que sujeitos com baixo envolvimento" (p < 0,001) aceito
H4a "Sujeitos altamente envolvidos têm atitude mais favorável à marca quando expostos às peças com argumentos fortes" (p < 0,001) aceito
H4b "Sujeitos com baixo envolvimento e altamente dogmáticos têm atitude mais favorável à marca quando expostos às peças com cruz" rejeitado -> têm atitude menos favorável (p < 0,05)
H5a "Sujeitos altamente envolvidos têm maior intenção de compra do produto quando expostos às peças com argumentos fortes" (p < 0,001) aceito
H5b "Sujeitos com baixo envolvimento e altamente dogmáticos têm maior intenção de compra do produto quando expostos às peças com cruz" rejeitado -> têm menor intenção de compra (p < 0,001)

Para indivíduos altamente envolvidos e altamente dogmáticos, encontrou-se também um efeito marginalmente significativo (p = 0,065) da combinação de argumentos fortes com a presença da cruz.

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Limitações
O tamanho amostral para cada grupo: cerca de 82 indivíduos, é razoável; porém trata-se de uma população restrita (alunos de graduação de publicidade da Appalachian State University). 92,7% dos alunos se declararam cristãos, maior do que a média americana: 78% se declaram cristãos. Mesmo se restringindo somente à população cristã, há de se considerar eventualmente outros fatores que possam interferir na extrapolação dos resultados - o tipo de produto, o modo de exposição, tendências políticas, faixa socioeconômica, etc.

De todo modo, faz pensar no efeito e no modo de influência dos símbolos religiosos em outras situações: como a exposição de crucifixos nos tribunais brasileiros. Não estarão a afetar os julgamentos?

Referência
Dotson, M.J., & Hyatt, E.M. 2000. Religious Symbols as Peripheral Cues in Advertising: A Replication of the Elaboration Likelihood Model Journal of Business Research, 48, 63-68 : 10.1016/S0148-2963(98)00076-9

terça-feira, 1 de maio de 2012

"O temor do Senhor é fonte de vida, para desviar dos laços da morte" Pv 14:27

ResearchBlogging.orgUma explicação bastante popular para a religiosidade em geral é o medo da morte. Robb Willer, sociólogo da University of California, em Berkeley, testou a relação entre o medo da morte e dois componentes comuns a vários sistemas religiosos: a crença em vida após a morte e a crença em deus.

Em um experimento, indivíduos foram divididos em dois grupos. Para um dos grupos (teste), pediu-se que os sujeitos escrevessem sobre a morte; para os de outro (controle), sobre um tema neutro (televisão). Indivíduos do grupo teste apresentaram depois maiores índices de crença em vida após a morte.

Um segundo experimento foi realizado, obtendo-se o mesmo resultado. Além disso, mostrou-se que indivíduos com mais medo da morte apresentavam maior crença em deus.

Isso se encaixa na teoria do raciocínio motivado, segundo a qual as pessoas tendem a chegar a conclusões que lhes são desejáveis.

Estudo 1
44 alunos de graduação (23 mulheres, 21 homens), idade média de 19,5 anos, da Cornell University foram recrutados (recebendo US$ 8 pela participação nos testes). Além de informações demográficas, responderam sobre a religiosidade em uma escala de 10 pontos: de "extremamente religioso" ("extremely religious"), 10, a "nem um pouco religioso" ("not religious at all"), 1 ponto.

Os sujeitos deveriam, então, escrever de acordo com a instrução na tela do computador. Para metade (sorteado aleatoriamente), as instruções eram para discorrer sobre a própria morte; para a outra metade, sobre assistir a televisão. Os comandos na tela eram:

  • "Descreva brevemente os sentimentos e emoções que o pensamento sobre sua própria morte/assistir à televisão desperta em você." (“Briefly describe the feelings and emotions that the thought of your own death/watching television arouses in you.”)
  • "Por favor, descreva com o máximo de detalhes possível quais seriam seus pensamentos se você morresse fisicamente/assistisse à televisão." (“Please describe in as much detail as possible what your thoughts would be as you physically die/watch television.”)

Logo após terminarem de escrever, responderam à pergunta "O quão provável você acha que é a existência de vida após a morte?" ("How likely do you think it is that there is life after death?"), também em uma escala de 10 pontos: de "extremamente improvável" ("extremely unlikely") a "extremamente provável" ("extremely likely") e outras dez questões a respeito das características da vida após a morte, como a probabilidade dela ser "um paraíso de prazeres e delícias" ("a paradise of pleasure and delights").

Não houve diferenças no nível de religiosidade pré-teste entre ambos os grupos. Mas o grupo teste reportou uma maior crença em vida após a morte do que o grupo controle: 7,30±2,53 contra 5,62±3,51 (p<0,08; α = 0,10). Decompondo-se o resultado pelo grau de religiosidade reportada, não houve diferença na crença da vida após a morte entre os que tinham alta religiosidade; mas houve diferença significativa entre os que tinham baixa religiosidade. Não houve diferenças significativas nas respostas a outras dez questões sobre as características da vida após a morte.

Estudo 2
111 alunos de graduação (73 mulheres, 38 homens) da Cornell University, recebendo US$8 pela participação. (3 indivíduos foram descartados na análise por não responderem a questões sobre crença religiosa.)

O procedimento foi similar ao do estudo 1, acrescentando as condições "vida após a morte/além" e "morte de um ente querido" ("death of a loved one") entre os temas para os textos.

Após a escrita dos textos, foram incluídas também perguntas sobre a probabilidade da existência de: paraíso ("heaven"), inferno ("hell") e "deus" ("God").

Novamente, não houve diferenças no nível de religiosidade pré-teste entre os grupos. Os que escreveram sobre a própria morte apresentaram maior crença na vida após a morte (7,29±2,48), do que os que escreveram sobre televisão (5,40±3,11; p = 0,02), vida após a morte  (5,55±3,19; p = 0,03) e morte de um ente querido (6,00±2,55; p = 0,06). E também na existência do paraíso: na ordem, 7,75±2,10; 5,48±2,95 (p < 0,01); 5,43±3,39 (p < 0,01); 5,97±2,85 (p = 0,01). No inferno: 6,54±2,60; 4,60±3,07 (p = 0,02); 4,13±3,12 (p < 0,01); 4,17±2,83 (p < 0,01). E em deus: 8,18±2,11; 6,88±3,17 (p = 0,08); 6,72±3,12 (p = 0,04); 6,83±3,08 (p = 0,06). Em uma análise de regressão com crença em deus como variável dependente e crença na vida após a morte e ter escrevido texto sobre a própria morte como variáveis independentes, a crença na vida após a morte apresentou um forte efeito, enquanto ter escrevido texto não. O teste de mediação de Sobel (p < 0,02) indica que o medo da morte aumenta a crença em deus por meio do aumento da crença na vida após a morte.

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Limitações
O tamanho amostral para cada grupo - pouco mais de 20 indivíduos - é um fator limitador para a generalização da conclusão. Mas a população amostrada: estudantes universitários de uma única IES, é uma limitação ainda maior. Na população americana, segundo pesquisa do Gallup, mais de 90% acreditam em deus e mais de 70% estão plenamente certos de sua existência - isso jogaria a média da crença em deus acima dos 7 pontos pela metodologia de Willer (2009): 8,94±3,11 - uma população assim responderia de modo similar à população universitária de Cornell?

Referência
Willer, R. 2009.  No Atheists in Foxholes: Motivated Reasoning and Religious Belief. Pp. 241-264 in Social and Psychological Bases of Ideology and System Justification. Eds. John T. Jost, Aaron C. Kay, and Hulda Thorisdottir. Oxford University Press. 552 pp.