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terça-feira, 1 de maio de 2012

"O temor do Senhor é fonte de vida, para desviar dos laços da morte" Pv 14:27

ResearchBlogging.orgUma explicação bastante popular para a religiosidade em geral é o medo da morte. Robb Willer, sociólogo da University of California, em Berkeley, testou a relação entre o medo da morte e dois componentes comuns a vários sistemas religiosos: a crença em vida após a morte e a crença em deus.

Em um experimento, indivíduos foram divididos em dois grupos. Para um dos grupos (teste), pediu-se que os sujeitos escrevessem sobre a morte; para os de outro (controle), sobre um tema neutro (televisão). Indivíduos do grupo teste apresentaram depois maiores índices de crença em vida após a morte.

Um segundo experimento foi realizado, obtendo-se o mesmo resultado. Além disso, mostrou-se que indivíduos com mais medo da morte apresentavam maior crença em deus.

Isso se encaixa na teoria do raciocínio motivado, segundo a qual as pessoas tendem a chegar a conclusões que lhes são desejáveis.

Estudo 1
44 alunos de graduação (23 mulheres, 21 homens), idade média de 19,5 anos, da Cornell University foram recrutados (recebendo US$ 8 pela participação nos testes). Além de informações demográficas, responderam sobre a religiosidade em uma escala de 10 pontos: de "extremamente religioso" ("extremely religious"), 10, a "nem um pouco religioso" ("not religious at all"), 1 ponto.

Os sujeitos deveriam, então, escrever de acordo com a instrução na tela do computador. Para metade (sorteado aleatoriamente), as instruções eram para discorrer sobre a própria morte; para a outra metade, sobre assistir a televisão. Os comandos na tela eram:

  • "Descreva brevemente os sentimentos e emoções que o pensamento sobre sua própria morte/assistir à televisão desperta em você." (“Briefly describe the feelings and emotions that the thought of your own death/watching television arouses in you.”)
  • "Por favor, descreva com o máximo de detalhes possível quais seriam seus pensamentos se você morresse fisicamente/assistisse à televisão." (“Please describe in as much detail as possible what your thoughts would be as you physically die/watch television.”)

Logo após terminarem de escrever, responderam à pergunta "O quão provável você acha que é a existência de vida após a morte?" ("How likely do you think it is that there is life after death?"), também em uma escala de 10 pontos: de "extremamente improvável" ("extremely unlikely") a "extremamente provável" ("extremely likely") e outras dez questões a respeito das características da vida após a morte, como a probabilidade dela ser "um paraíso de prazeres e delícias" ("a paradise of pleasure and delights").

Não houve diferenças no nível de religiosidade pré-teste entre ambos os grupos. Mas o grupo teste reportou uma maior crença em vida após a morte do que o grupo controle: 7,30±2,53 contra 5,62±3,51 (p<0,08; α = 0,10). Decompondo-se o resultado pelo grau de religiosidade reportada, não houve diferença na crença da vida após a morte entre os que tinham alta religiosidade; mas houve diferença significativa entre os que tinham baixa religiosidade. Não houve diferenças significativas nas respostas a outras dez questões sobre as características da vida após a morte.

Estudo 2
111 alunos de graduação (73 mulheres, 38 homens) da Cornell University, recebendo US$8 pela participação. (3 indivíduos foram descartados na análise por não responderem a questões sobre crença religiosa.)

O procedimento foi similar ao do estudo 1, acrescentando as condições "vida após a morte/além" e "morte de um ente querido" ("death of a loved one") entre os temas para os textos.

Após a escrita dos textos, foram incluídas também perguntas sobre a probabilidade da existência de: paraíso ("heaven"), inferno ("hell") e "deus" ("God").

Novamente, não houve diferenças no nível de religiosidade pré-teste entre os grupos. Os que escreveram sobre a própria morte apresentaram maior crença na vida após a morte (7,29±2,48), do que os que escreveram sobre televisão (5,40±3,11; p = 0,02), vida após a morte  (5,55±3,19; p = 0,03) e morte de um ente querido (6,00±2,55; p = 0,06). E também na existência do paraíso: na ordem, 7,75±2,10; 5,48±2,95 (p < 0,01); 5,43±3,39 (p < 0,01); 5,97±2,85 (p = 0,01). No inferno: 6,54±2,60; 4,60±3,07 (p = 0,02); 4,13±3,12 (p < 0,01); 4,17±2,83 (p < 0,01). E em deus: 8,18±2,11; 6,88±3,17 (p = 0,08); 6,72±3,12 (p = 0,04); 6,83±3,08 (p = 0,06). Em uma análise de regressão com crença em deus como variável dependente e crença na vida após a morte e ter escrevido texto sobre a própria morte como variáveis independentes, a crença na vida após a morte apresentou um forte efeito, enquanto ter escrevido texto não. O teste de mediação de Sobel (p < 0,02) indica que o medo da morte aumenta a crença em deus por meio do aumento da crença na vida após a morte.

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Limitações
O tamanho amostral para cada grupo - pouco mais de 20 indivíduos - é um fator limitador para a generalização da conclusão. Mas a população amostrada: estudantes universitários de uma única IES, é uma limitação ainda maior. Na população americana, segundo pesquisa do Gallup, mais de 90% acreditam em deus e mais de 70% estão plenamente certos de sua existência - isso jogaria a média da crença em deus acima dos 7 pontos pela metodologia de Willer (2009): 8,94±3,11 - uma população assim responderia de modo similar à população universitária de Cornell?

Referência
Willer, R. 2009.  No Atheists in Foxholes: Motivated Reasoning and Religious Belief. Pp. 241-264 in Social and Psychological Bases of Ideology and System Justification. Eds. John T. Jost, Aaron C. Kay, and Hulda Thorisdottir. Oxford University Press. 552 pp.

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