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terça-feira, 5 de junho de 2012

"O ímpio toma emprestado, e não paga; mas o justo se compadece e dá." Sl 37:21

ResearchBlogging.org
As motivações de indivíduos religiosos na ajuda aos outros é relativamente bem estabelecida: sentido de identidade compartilhada, preocupação com a reputação aos olhos de deus e diante de sua comunidade religiosa, e estabelecidos valores prossociais baseados em regras.

Mas menos conhecidas são as motivações de indivíduos não religiosos: importante grupo populacional em vários países desenvolvidos - chegam a quase metade dos japoneses, suecos, dinamarqueses e alemães.

Embora a religiosidade esteja associada à maior prossocialidade, indivíduos não religiosos também têm alta prossocialidade e endosso a atitudes ética.

Laura R. Saslow, psicóloga e pós-doutoranda da University of California, San Francisco; Robb Willer, sociólogo; Matthew Feinberg, psicólogo, doutorando; Paul K. Piff, psicólogo, pós-doutorando; Dacher Keltner, psicólogo da University of California, Berlekey; Katharine Clark, psicóloga, pós-graduanda, University of Colorado, Boulder; & Sarina R. Saturn, psicóloga, Oregon State University, Corvallis, pesquisaram a influência do fator compaixão (sentimento que emerge à visão do sofrimento de alguém que leva ao desejo de ajudá-lo) no comportamento prossocial de pessoas religiosas e não religiosas.

Para testar a hipótese de que a compaixão tem um efeito maior nas pessoas não religiosas do que nas religiosas, os autores realizaram três estudos. No primeiro estudo, por meio de um questionário, correlacionaram características de compaixão e empatia, comportamento prossocial e religiosidade: o comportamento prossocial esteve mais fortemente ligado à compaixão entre os não religiosos do que entre os religiosos. No segundo estudo, exibiram vídeos, para um grupo, sobre pobreza infantil com imagens de crianças em situação de vulnerabilidade e trilha sonora triste; para outro grupo, no vídeo, dois homens conversavam. O grupo que assistiu ao primeiro vídeo teve maior tendência a doar, em situação hipotética, um valor maior para desconhecidos e o efeito foi maior entre os não religiosos. No terceiro estudo, as pessoas respondiam sobre o grau de compaixão que sentiam no momento do experimento, depois, realizavam uma série de jogos econômicos que mediam o grau de comportamento prossocial em situação real, o grau de compaixão correlacionou-se positivamente com as atitudes prossociais entre os não religiosos e negativamente entre os religiosos.

Este estudo chamou bastante a atenção da mídia. Mas foi bastante mal interpretado como se a conclusão fosse que as pessoas religiosas fossem menos generosas.

Estudo 1
624 homens, 713 mulheres, acima de 18 anos, entrevistados para General Society Survey 2004. Idade média: 45,96±17,08 anos; 1.076 brancos, 158 negros, 103 outros; 712 protestantes, 320 católicos, 17 judeus, 7 budistas, 4 hindus, 8 muçulmanos, 199 não religiosos, 4 não responderam e o restante, outras religiões.

A compaixão foi avaliada com formulário de 7 itens do Índice de Reatividade Interpessoal pontuados de 1 "não descreve muito bem" ["does not describe very well"] a 5 "descreve muito bem" ["describes very well"] com questões como: "Com frequência, tenho sentimentos afetuosos e preocupados com pessoas menos afortunadas do que eu" ["I often have tender, concerned feelings for people less fortunate than me"], "Quando vejo alguém sendo passado para trás, eu me sinto um pouco protetor em relação a essa pessoa" ["When I see someone being taken advantage of, I feel kind of protective towards them"] e "A desgraça alheia normalmente não me perturba muito" (pontuação reversa) ["Other people’s misfortunes do not usually disturb me a great deal"].

O comportamento prossocial foi avaliado com questionário de 10 itens pontuados de 1 a 6: 1 "nenhuma vez no ano passado" ["not at all in the past year"], 2 "uma vez no ano passado" ["once in the past year"], 3 "pelo menos 2 a 3 vezes no ano passado" ["at least 2 or 3 times in the past year"], 4 "uma vez por mês" ["once a month"], 5 "uma vez por semana" ["once a week"] e 6 "mais de uma vez por semana" ["more than once a week"], sobre se o indivíduo havia doado comida ou dinheiro para um morador de rua ["giving food or money to a homeless person"], devolvido dinheiro após receber troco a mais ["returning money after getting too much change"], permitido a um estranho passa à frente na fila ["allowing a stranger to go ahead in line"], ter realizado trabalho voluntário para a caridade ["volunteering time for a charity"], doado dinheiro à caridade ["giving money to a charity"], oferecido lugar para um estranho se sentar ["offering a seat to a stranger"], cuidado de planta ou animal na ausência de alguém ["looking after a plant or pet of others while they were away"], carregado os pertences de um estranho ["carrying a stranger’s belongings"], dado indicação de rua ou local para um estranho ["giving directions to a stranger"] e emprestado a alguém algo de valor ["letting someone borrow a item of some value"].

A religiosidade foi medida com uma questão a respeito de sua identidade religiosa: 1 "sem religião" ["no religion"], 2 "identidade religiosa não muito forte" ["not very strong religious identity"], 3 "identidade religiosa mais ou menos forte" ["somewhat strong religious identity"] e 4 "identidade religiosa forte" ["strong religious identity"].

Outras covariáveis foram analisadas: gênero, orientação política (1 "extremamente liberal" ["extremely liberal"], 4 "moderado" ["moderate"] a 7 "extremamente conservador" ["extremely conservative"]), grau de instrução (anos de estudos completos).

Relato de compaixão se correlacionou com relato de identidade religiosa (r =0,12; p < 0,001) e relato de comportamento prossocial (r = 0,20; p < 0,001); o relato de religiosidade correlacionou-se marginalmente com o comportamento prossocial (r = 0,05; p < 0,077). Na análise de covariância (sem o controle das covariáveis), maior compaixão relatada relacionou-se com maior comportamento prossocial relatado (β = 0,19; p < 0,001), não houve relação da religiosidade relatada sobre o comportamento prossocial relatado (β = 0,03; p < 0,353). Houve interação entre compaixão relatada e religiosidade relatada (β = -0,07; p < 0,014); entre os menos religiosos, maior compaixão relatada relacionou-se com maior comportamento prossocial relatado (β = 0,25; p < 0,001); entre os mais religiosos, maior compaixão relatada também relacionou-se com maior comportamento prossocial relatado (β = 0,12; p < 0,003) (Tabela 1; Figura 1).

Tabela 1. Predição de comportamento prossocial pela compaixão entre grupos menos e mais religosos.
Interação β Menos religiosos (abaixo de 1 DP da média; β para inclinação simples) Mais religiosos (acima de 1 DP da média; β para inclinação simples)
Compaixão vs. comportamento prossocial autoreportado -0,07* (-0,07)* 0,25*** (0,26)*** 0,12** (0,12)**
*p ≤ 0,05; ** p ≤ 0,01; *** p ≤ 0,001;entre parênteses com controle das covariáveis.


Estudo 2
101 participantes recrutados através do Amazon's Mechanical Turk de todo os EUA (41 homens; 60 mulheres; idade de 18 a 68 anos, média de 32,54±12,01; 78 euroamericanos, 8 asioamericanos, 6 afroamericanos, os demais de outras etnias ou de etnia mista; 39 cristãos, 7 judeus, 2 muçulmanos, 36 ateus, 12 agnósticos, 8 espirituais mas não religiosos, o restante não informou ou declarou outras religiões, os participantes podiam escolher mais de uma opção religiosa) em troca de pequeno pagamento pelas respostas. Os participantes foram selecionados de acordo com o nível de religiosidade: 1 "nem um pouco" ["not at all"] a 7 "profundamente" ["deeply"] a fim de haver aproximadamente metade de participantes bastante religiosos e metade pouco religiosos.

Um anúncio no Amazon Mechanical Turk incluía endereço de outro site direcionando os participantes para uma pesquisa online. Os participantes foram designados de modo aleatório para assistir a um vídeo de 46 s de duração como tarefa de memória: um indutor de compaixão (N = 49) e um neutro (N = 52). O indutor de compaixão consistia em informações sobre a pobreza infantil com fotografias de crianças em situações de vulnerabilidade e necessidade, com música triste de trilha (em estudo anterior, Piff et al. 2010, o vídeo foi demonstrado eliciar sentimentos de compaixão); o neutro consistia em dois homens conversando.

A prossocialidade foi medida em duas tarefas. Em uma, jogo do ditador ["Dictator Task"] com dinheiro hipotético, os participantes deveriam doar alguma quantia entre $0 e $10 a um estranho (7 participantes não completaram a tarefa e não foram incluídos na análise) - estudo anterior (Simpson 2003) indica que o comportamento é similar quando há dinheiro real envolvido. Em outra, os participantes indicavam quantos porcentos do salário anual deveriam ser gastos em diversos itens: a porcentagem dos gastos indicados em "doações à caridade" ["charitable donations"] foi usada como indicador de prossocialidade.

Outras covariáveis foram: gênero, orientação política e status socioeconômico subjetivo. Para o status socioeconômico subjetivo os participantes deveriam indicar seu posicionamento em relação a outras pessoas de sua comunidade: 1 degrau inferior ["bottom rung"] a 10 degrau superior ["top rung"].

N tarefa do ditador, os que assistiram ao vídeo indutor de compaixão mostram um comportamento prossocial maior: β = 0,29, p = 0,003; os mais religiosos também: β = 0,35, p < 0,009; houve ainda interação entre o vídeo e a religiosidade: β = -0,37, p = 0,006. Entre os menos religiosos, o vídeo se relacionou com maior prossocialidade: β = 0,58, p < 0,001; mas não entre os mais religiosos: β = 0,01, p = 0,941.

Na tarefa de caridade, os que assistiram ao vídeo indutor de compaixão tiveram maior pontuação de caridade: β = 0,18, p = 0,034; bem como os que apresentaram maior religiosidade: β = 0,59, p < 0,001; não houve interação entre o vídeo e a religiosidade: β = -0,10, p = 0,408, mas entre os menos religiosos, o vídeo se relacionou a maior caridade: β = 0,26, p = 0,043; entre os mais religiosos, o efeito não foi significativo, β = 0,11, p = 0, 359. (Figura 2.)



Estudo 3
Estudantes universitários (98 homens, 112 mulheres) recrutados em troca de créditos acadêmicos; idade de 18 a 46 anos, média de 20,28±3,52 anos. 64 europeus/euroamericanos, 97 asiáticos/asioamericanos, 43 outros ou etnia mista, 6 não relataram; 72 cristãos, 10 judeus, 10 budistas, 5 hindus, 36 ateus, 23 agnósticos, 26 espirituais mas não religiosos, 11 não responderam, o restante de outras religiões.

Os participantes preencheram um formulário online, incluindo orientação política, status socioeconômico subjetivo e religiosidade (como no estudo 2). As covariáveis foram: gênero, orientação política e status socioeconômico subjetivo.

Aos estudantes perguntou-se o quanto sentiam de "compaixão/simpatia" ["compassion/sympathy"] no momento: 1 "nem um pouco" ["do not feel at all"] a 7 "muito forte" ["feel very strongly"] (escala Diferencial de Emoção modificada).

Uma série de jogos econômicos foram apresentados para se medir o comportamento prossocial. A pontuação final foi revertida em dinheiro de verdade (a taxa de conversão foi revelada ao final: US$ 1 a cada 10 pontos). (Estudo anterior de Barclay & Willer 2007, indica que o comportamento é similar a quando a recompensa tem uma taxa de conversão de 1:1.)

No jogo do bem público ["Public Good Game"], os participantes investiam de 0 a 10 pontos para um fundo em comum de 4 participantes, os pontos totais eram dobrados e distribuídos igualitariamente entre os participantes. No jogo do ditador ["Dictator Game"] cada participante doava de 0 a 10 pontos para outro participante. (Nem todos participaram da tarefa do "bem público".)

No jogo da confiança ["Trust Game"], os participantes atuaram como segundos jogadores. O primeiro jogador poderia doar ao segundo jogador de 0 a 10 pontos; os pontos doados eram triplicados e o segundo jogador pode partilhar qualquer valor com o primeiro jogador. O segundo jogador sempre recebia 30 pontos e o valor retornado foi um indicador da confiabilidade ["trustworthiness"].

No jogo da reciprocidade indireta ["Indirect Reciprocity Game"], os participantes eram informados sobre a ação anterior de outro jogador no jogo do ditador em relação a um terceiro: que havia dividido os pontos meio a meio. Os participantes tinham então 10 pontos que poderiam ser divididos com o jogador.

Os indicadores dos jogos compuseram um único indicador geral de comportamento prossocial.

O sentimento relatado de compaixão não se correlacionou com o grau relatado de identidade religiosa (p = 0,926), mas se correlacionou com o comportamento prossocial nas tarefas (p < 0,005); a religiosidade não se correlacionou com o comportamento prossocial nas tarefas (p = 0,153). Na análise de covariância, os que reportaram maior sentimento de compaixão tiveram maior desempenho prossocial nas tarefas: β = 0,15, p = 0,028; houve interação entre grau relatado de compaixão e religiosidade: β = -0,20, p = 0,004; entre os menos religiosos, o grau relatado de compaixão se relacionou com o comportamento prossocial: β = 0,36, p < 0,001; mas não entre os mais religiosos: β = -0,07, p = 0,522.




Limitações
Os tamanhos amostrais são grandes; mas há limitação quanto à representatividade da amostra, sobretudo no estudo 3: composto somente por estudantes universitários. Seria interessante saber qual o efeito entre as diferentes religiões: o grupo de maior religiosidade parece ter sido dominado por cristãos e o grupo de menor religiosidade por ateus e agnósticos - o efeito pode se dever não exatamente à religiosidade em si, mas a alguns pressupostos de visão de mundo (mesmo metafísicos).

Referências
Saslow, L., Willer, R., Feinberg, M., Piff, P., Clark, K., Keltner, D., & Saturn, S. (2012). My Brother's Keeper? Compassion Predicts Generosity More Among Less Religious Individuals. Social Psychological and Personality Science DOI: 10.1177/1948550612444137

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